terça-feira, 5 de outubro de 2010

Saboreando Espíritos


Espírito, segundo Aurélio Buarque de Hollanda, é a denominação dada ao líquido obtido na destilação, o álcool, devido a sua volatilidade. No universo etílico é sinônimo de bebida destilada, termo usado correntemente no exterior, e antigamente nos muitos interiores daqui.
Para nós, Saboreando Espíritos, é um espaço para dividir as origens e curiosidades de diversas bebidas, destiladas ou não, que marcaram a História.




Absinto: A Magia Esmeralda

Cenário: a Paris do final do século XIX até a Primeira Grande Guerra. Luzes, poesia, o Moulin-Rouge e uma importante personagem: a Fada Verde.
Nome romântico para uma bebida que se tornou lenda, banida dos locais onde antes era adorada e se tornou ícone de uma época, o absinto se tornou famoso na Paris da Belle-Époque por ter fãs conhecidos como Tolouse-Lautrec, Van Gogh, Picasso, Ernest Hemingway, Baudelaire e Edgar Allan Poe.
A feérica erva absinto ou Artemísia absinthium, é originária da Ásia e da Europa e seu nome vem da deusa grega da caça, Ártemis. Alcança de 01 a 1,20 m. de altura, com folhas recortadas de cor verde cinzenta e flores amarelas em pequenos cachos. Nossas avós a conheciam como losna e sempre apareciam com aquele verde, fumegante e amargo chá para a dor de estômago de nossos familiares. Como sempre a sabedoria popular tem sua razão de ser: egípcios e gregos conheciam suas qualidades medicinais no trato digestivo, estomacal e como estimulante do apetite.

No mais antigo dos tratados médicos conhecidos, entre 1500 e 1700 A.C, o papiro Ebbers possuía um elixir a base de artemísia indicado para várias doenças incluindo asma e cólicas menstruais. Em 1792 o médico Pierre Ordinaire, enquanto residia na Suíça, uniu a artemísia em um composto de ervas de efeito vermífugo e estimulante e mais tarde adicionou o álcool para potencializar seus efeitos. Mais um caso de "santo remédio" quando, em 1797, Henry Louis Pernod o produziu comercialmente pela primeira vez.
Dizia-se que o absinto estimulava a criatividade, expandia as idéias e também era um afrodisíaco. O verdadeiro pó de pirlimpimpim desta fada é uma substância chamada tuiona (conhecida também como tuinona, thujone ou tujona) responsável pelas características medicinais da artemísia e pelos lendários efeitos do absinto. Esse componente químico se une a determinados receptores do cérebro, bloqueando-os em sua função normal, e mantendo-o em um estado de permanente excitação, podendo causar diversos efeitos colaterais como convulsões, espasmos e alucinações.

Porém tais efeitos nocivos só ocorrem com ingestão de altos níveis de tuiona, como no caso de absintos do século XIX com concentração de até 260mg/l. Atualmente esse nível atinge o máximo de 10mg/l, sendo regulamentada pela legislação de diversos países depois de quase um século de proibição. A tuiona é uma substância mais comum do que se pensa, sendo encontrada também na sálvia e no estragão, especiarias conhecidas, e na tuia, uma espécie de arbusto. Não há registros que comprovem a intoxicação por tuiona a partir do consumo de absinto, embora situações de loucura e violência tenham sido atribuídas à bebida ocasionando sua proibição ao final da Primeira Guerra. O consumo do óleo essencial de artemísia e extratos de tuiona são totalmente desaconselháveis devido a sua alta toxicidade.

O absinto é um destilado produzido a partir de nove ervas básicas - a Artemísia absinthium e a Artemísia pontica, anis, funcho, hissopo, coentro, anis-estrelado, angélica e melissa - e outras ervas aromáticas e tem gradação mínima de 50º para ser considerado absinto. Possui cor verde-esmeralda natural devido à clorofila da Artemísia pontica, gosto amargo e aroma anisado. Quando envelhecido, adquire uma cor castanho-clara. Ao se misturar o absinto com água ou gelo ocorre o louche-effect, uma típica turvação da bebida devido aos óleos essenciais e a clorofila presentes.

Bebida de charme e etiqueta únicos, usufruir da mágica da Fada Verde, requer conhecimentos básicos e alguns poucos acessórios.

Dê preferência às taças com pequeno bojo no fundo para se ter a medida da dose de absinto servida e utilize as colheres planas especiais, com apoio e perfuradas, para se colocar o açúcar e misturar a bebida. Na próxima matéria você encontrará os métodos para servir o absinto e receitas de drinks especiais.

Para se adequar a legislação brasileira, o absinto comercializado em nosso país tem gradação máxima de 54º, este vindo principalmente de Portugal, um dos produtores internacionais da bebida ao lado também da República Tcheca, famosa por seus destilados de alta gradação e com um ritual para servir característico, e da Espanha.
Mítico e charmoso, o absinto sobreviveu à proibição, perseguições e acusações ferinas e retorna ao nosso convívio como uma bebida para aqueles que procuram um sabor de romance antigo, de uma época de festas, alegria e intensidade.


Para saber mais:

Fontes: http://www.wikipedia.org/; http://www.absinthesupply.com/; "Tuiona - A Reabilitação Toxicológica" e "Absinto - O encanto das Fadas Verdes", trabalhos de mestrado sob orientação do Prof. Doutor Fernando Remião do Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto; http://www.jardimdeflores.com.br/; Revista Isto É; http://www.portaldoscoqueteis.com.br/
Imagens: Wikipédia


Paulo Renault

Um comentário:

  1. Fantástico texto, Paulão!

    Mas fiquei com uma vontade irrealizável de tomar aquele absinto do século XIX, com seus 260mg/l de tuiona... rs

    Adicionei um link para o Saboreando Sentidos no Sombras Elétricas!

    Um abraço para você e para a Helena!

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